AGROSOFT 99
II Congresso da SBI-Agro


PLANAGRO: Um Sistema para Planejamento Agroclimático

 

Autores

Vicente de Paulo Albuquerque Araújo
Email: vicente@paqtc.br
Vínculo: Programa de Estudos e Ações para o Semi-Árido – PEASA/UFPB
Endereço: Rua Aprígio Veloso, 882 – Bodocongó – Campina Grande, PB – 58.100-970
Telefone: 83 310-1346 – 310-1065

Carlos de Oliveira Galvão
Email: galvao@dec.ufpb.br
Vínculo: Departamento de Engenharia Civil – Universidade Federal da Paraíba
Endereço: Caixa Postal 505 – Campina Grande, PB – 58.100-970
Telefone: 83 310-1157

Resumo

Apresenta-se um sistema de informações para apoio ao planejamento da agricultura irrigada e dependente de chuva. O sistema usa registros climáticos históricos, informações de previsão sazonal de precipitação e dados sobre o ciclo de cultivo de culturas. Os registros de precipitação e evapotranspiração são analisados estatisticamente, definindo a melhor época de plantio, tendo como principal critério a redução do déficit hídrico no período de maior demanda de água pela cultura. O artigo descreve o estado atual de desenvolvimento do sistema computacional, as bases de dados de clima e de cultivos, os usuários típicos e a disseminação da informação.

Abstract

This paper presents a computerised decision support system (DSS) for agricultural planning, that considers either irrigated or rain-fed agriculture. The DSS uses climatic records, rainfall seasonal forecasts and information on crop water demands. Rainfall and evapotranspiration records are statistically analised, thus estimating the best cultivation period, based on the minimisation of water deficit in the period of maximum crop water demand. The paper describes the current status of the DSS development, climate and crop databases, the target users of the system and the process of information transfer.

Palavras chaves

sistema de apoio à decisão; precipitação; gestão.

1. INTRODUÇÃO

Na região semi-árida do Nordeste do Brasil, assim como em outras regiões semi-áridas do mundo, a estação chuvosa se concentra em apenas três a seis meses, ficando o restante do ano sem ocorrência de chuvas significativas. Grande parte da população rural tem como principal atividade econômica a agricultura de subsistência de base familiar, dependente de chuva.

Um grande problema enfrentado no planejamento agrícola, seja na distribuição de sementes aos pequenos agricultores, ou na definição do momento mais adequado para o plantio, é a irregularidade interanual e intra-sazonal da distribuição da precipitação. Uma característica da variabilidade intra-sazonal da precipitação, de grande importância agrícola, é a ocorrência de períodos de várias semanas sem chuva, dentro da estação chuvosa, denominados de "veranicos". Os veranicos têm sido a causa da perda de safra em vários anos.

O conhecimento das características do regime de precipitação pode contribuir para a definição da época mais adequada para realizar o plantio e assim minimizar eventuais perdas das culturas e otimizar a utilização de irrigação suplementar. Esta informação também é útil para a alocação de recursos no nível governamental, e para introdução de cultivares melhor adaptadas ao regime climático, pelas instituições de pesquisa e extensão rural. Por outro lado, devido à alta variabilidade interanual do regime de chuvas, a incerteza associada a este planejamento ainda é muito alta. Recentemente, porém, os serviços de previsão meteorológica passaram a fornecer informações mais precisas sobre as características da estação chuvosa, com antecedência de um a três meses. Isto pode vir a reduzir significativamente a incerteza no planejamento agroclimático de curto prazo, à medida que a precisão das previsões seja melhorada.

Este trabalho apresenta um sistema informatizado para zoneamento agroclimático, que determina a melhor época de plantio de culturas dependentes de chuva e suas necessidades de irrigação suplementar, a partir das características fisiológicas das culturas, do regime climático local e da previsão meteorológica.

 

2. DESCRIÇÃO DO SISTEMA

O Sistema de Planejamento Agroclimático (Planagro) está sendo desenvolvido no âmbito do Programa de Estudos e Ações para o Semi-Árido – Peasa – da Universidade Federal da Paraíba (Navarro, 1993; Pedrosa, 1993) e encontra-se em fase final de implementação. O sistema é composto de cinco módulos funcionais: (a) banco de dados, (b) caracterização do período chuvoso, (c) análise estatística, (d) balanço hídrico e (e) previsão de precipitação.

O zoneamento agroclimático tem como base a unidade de zoneamento, que pode ser o município, a área de influência dos postos pluviométricos, a micro-região ou a bacia hidrográfica. A unidade de zoneamento não é necessariamente a unidade geográfica de coleta dos dados básicos e é definida pelo usuário do sistema em função da disponibilidade de informações e do grau de detalhamento desejado para o zoneamento.

Banco de dados

O módulo de banco de dados contém informações climáticas e de culturas agrícolas, indexados por unidade de zoneamento. As informações climáticas são séries históricas de precipitação e evapotranspiração diárias para cada unidade. A previsão meteorológica da estação chuvosa especifica a distribuição de probabilidade de ocorrência do total precipitado sazonal. O banco de dados possui uma rotina de preenchimento de falhas para as séries históricas de precipitação e evapotranspiração. Para cada cultura agrícola, tem-se dados de ciclo vegetativo e coeficientes de cultivo, que são utilizados para a definição da época recomendada de plantio, e informações de interesse para o planejamento agrícola: área cultivada na unidade geográfica, retorno financeiro por área plantada, sensibilidade a doenças e sistemas de irrigação apropriados.

Caracterização do período chuvoso

O módulo de caracterização do período chuvoso define, para cada cultura e em cada unidade de zoneamento, o período mais adequado para o plantio, utilizando como critério a redução do déficit hídrico no período de maior demanda de água pela cultura:

A partir do número de dias do ciclo de cultivo (em geral, 60, 90 ou 120 dias para as culturas usuais no semi-árido da Paraíba), escolhe-se o período chuvoso mais adequado para realizar a pesquisa da melhor data de plantio. Este período é definido como o bimestre, o trimestre ou o quadrimestre mais chuvoso (dependendo do ciclo da cultura), observado na série histórica, mais 15 dias antes do seu início e 15 dias após o seu término.

Dentro deste período, ano a ano, procura-se o intervalo, com duração da fase crítica da cultura (aquela em que a demanda hídrica é maior), que apresente a maior precipitação acumulada, definindo-se, então, a data de plantio correspondente.

Obtém-se, então uma série de datas de plantio, formada pelas datas encontradas para cada ano da série histórica de precipitação e evapotranspiração. A análise estatística desta série estima a data de plantio associada a uma probabilidade de ocorrência desejada.

Várias metodologias têm sido propostas para determinar a melhor época de plantio de culturas dependentes de chuva no semi-árido do Nordeste brasileiro (e.g., Paixão et al., 1996) e podem ser, alternativamente, incorporadas ao módulo de caracterização do período chuvoso.

Análise estatística

Uma rotina de análise de freqüência, denominada Hidrests, constitui o terceiro módulo funcional do Planagro. O Hidrests testa automaticamente o ajuste de várias distribuições teóricas de probabilidade às séries de datas de plantio, e assim permite a estimativa da data associada a uma probabilidade de ocorrência desejada. O Hidrests também faz a análise das séries de precipitação acumulada no período total do ciclo vegetativo e no período crítico das culturas.

Balanço hídrico

Uma vez determinada a data de plantio, verifica-se a viabilidade da cultura naquelas condições específicas de regime pluviométrico. Esta verificação é realizada, ano a ano da série histórica, através do balanço hídrico entre a demanda da cultura e a quantidade de chuva precipitada nas várias fases do seu ciclo vegetativo, assumindo a mesma data de plantio para todos os anos. A demanda hídrica é obtida pela multiplicação do coeficiente de cultivo em cada fase do ciclo pela evapotranspiração potencial no período. Fases importantes são os dias imediatamente posteriores ao plantio, períodos de veranicos e a fase de maior demanda de água pela cultura. É possível que haja anos em que a cultura seja inviável se cultivada sem irrigação. O déficit hídrico calculado em cada fase corresponde à necessidade de irrigação suplementar, que, por sua vez, pode também ser analisada estatisticamente.

Previsão de precipitação

Na descrição acima, o sistema usa como dados climáticos as séries históricas de precipitação e evapotranspiração. O resultado corresponde ao que no Planagro se denomina de cenário climatológico, que é permanente e não muda de ano para ano.

A previsão de precipitação na estação chuvosa para o chamado setor norte do Nordeste já vem sendo feita de modo operacional pelos Núcleos de Meteorologia e Recursos Hídricos dos estados da região (Repelli e Alves, 1994). Alguns dos métodos utilizados para a previsão são estatísticos e fornecem o prognóstico associado a uma probabilidade de ocorrência. Estes prognósticos podem ser utilizados para "construir" uma série sintética de precipitação que obedeça às probabilidades de ocorrência prescritas na previsão (Croley, 1996). Esta série pode ser então analisada utilizando os mesmos procedimentos descritos acima, gerando o chamado cenário prospectivo. Este cenário varia ano a ano e é emitido nos meses que antecedem à estação chuvosa, de acordo com os anúncios da previsão meteorológica. O cenário prospectivo pode ser considerado uma atualização do cenário climatológico a partir das informações da previsão de chuva.

 

3. O PLANAGRO COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO

A gestão agropecuária deve considerar primordialmente os processos agroclimáticos, hidrológicos e suas sazonalidades. No Nordeste semi-árido brasileiro, a extrema variabilidade da precipitação, no tempo e no espaço, e a vulnerabilidade sócio-econômica dos sistemas de produção agropecuários, principalmente os isolados, torna o processo de gestão bastante complexo. Um sistema de zoneamento e planejamento agroclimático, como o Planagro, pode ser um instrumento valioso no apoio a esta tarefa, conforme se discute a seguir.

Gestão do abastecimento de água agrícola difuso

Uma demanda agrícola por água pouco quantificada nos planos de gerenciamento de recursos hídricos, mas muito importante, é a demanda da agricultura dependente de chuva, também chamada de agricultura de "sequeiro". Este tipo de atividade agrícola é responsável, no Nordeste brasileiro, por grande parte da produção de culturas alimentares de subsistência e é praticada em pequenos sistemas de produção familiar. Estas unidades de produção são espacialmente difusas em pequenas propriedades rurais e têm dimensões, em geral, de apenas poucos hectares. A maioria delas é completamente dependente de chuva, sem dispor de estruturas de captação e armazenamento de água para irrigação suplementar, como pequenos açudes e poços.

Um sistema de informações como o Planagro pode indicar, para as culturas de interesse, as necessidades de irrigação suplementar para as unidades de zoneamento. Essa informação, em conjunto com dados do censo agropecuário e dos cadastros fundiário e de irrigantes, pode fornecer estimativa da demanda hídrica para a agricultura dependente de chuva. Pode-se então fazer o planejamento da ativação do potencial hídrico para atendimento a esta demanda, através de pequenas estruturas hidráulicas para captação e armazenamento de água de chuva no nível de propriedade rural ou de pequenas bacias, como barreiros para irrigação de salvação, poços, barragens subterrâneas, entre outras.

Antes do início da estação chuvosa, utilizando a previsão meteorológica, pode-se avaliar a eficácia e/ou a possibilidade de colapso dos sistemas difusos de irrigação suplementar já implantados e cadastrados, estimar a produção agrícola e, eventualmente, em caso de previsão de quebra de safra, planejar ações emergenciais de apoio ao produtor.

Previsão da demanda de irrigação

Quando utilizando a previsão meteorológica da estação chuvosa, o Planagro pode ser usado para a estimativa de demandas de irrigação dos reservatórios que abastecem as áreas irrigadas, dado importante para entrada em sistemas computacionais de otimização da sua operação.

Planejamento hidroagrícola regional

O Planagro pode ser usado como ferramenta para apoiar o planejamento agrícola regional integrado. A introdução de novas alternativas de culturas ou cultivares nos sistemas de produção agropecuários micro-regionais, por exemplo, pode ser avaliada, determinando a melhor época de plantio para cada cultivar, os déficits hídricos, a quantidade de irrigação suplementar e, conseqüentemente, as necessidades de ativação de novos mananciais hídricos.

 

4. INTEGRAÇÃO COM OUTROS SISTEMAS DE APOIO À GESTÃO

O Planagro pode ser integrado a outros sistemas de informação e de apoio à gestão. O zoneamento agroclimático, sendo geo-referenciado, pode se constituir em uma camada de sistemas de informações geográficas para planejamento e gestão agrícola e integrado regional. Em se tratando de uma ferramenta genérica, sua aplicação é imediata para outras regiões que não a Paraíba.

A natureza estatística das informações pode ser de grande valia para sistemas de apoio à decisão. Dada a grande variabilidade interanual e intra-sazonal da precipitação na região, as estimativas probabilísticas da data sugerida para o plantio, ou da quantidade de água para irrigação suplementar, dão ao gestor uma medida da incerteza associada a estas recomendações.

 

5. USUÁRIOS E DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Os usuários típicos das informações do zoneamento agroclimático são os órgãos governamentais e não-governamentais de assistência técnica e extensão rural, as cooperativas agrícolas e produtores rurais, e os órgãos de gestão regional, além das instituições de pesquisa e desenvolvimento. O zoneamento agroclimático da Paraíba, em seus cenários climatológico e prospectivo, dará origem ao Manual prático de identificação do período efetivo de chuvas mais adequado para as principais culturas de sequeiro do semi-árido paraibano. As informações geradas pelo Planagro deverão estar disponíveis também para consulta via Internet. O sistema computacional estará disponível para distribuição a usuários interessados em utilizá-lo como instrumento de pesquisa e desenvolvimento.

 

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, que tem apoiado o desenvolvimento do Planagro; aos professores Vajapeyam S. Srinivasan e Hamilton M. de Azevedo, e aos engenheiros Leonardo Nóbrega Pedrosa e Estêvão Feitosa Navarro, da Universidade Federal da Paraíba, que participaram de fases anteriores de desenvolvimento do sistema.

 

7. REFERÊNCIAS

  • Croley, T.E. (1996) Using NOOA’s new climate outlooks in operational hydrology. Journal of Hydrologic Engineering, vol.1, no.3, p.93-102.
  • Navarro, E.F. (1993) Planejamento agroclimático informatizado do semi-árido paraibano; relatório de pesquisa. UFPB/CNPq, Campina Grande.
  • Paixão, E.B., Braga, C.C., Silva, B.B. (1996) Risco climático associado a diferentes épocas de plantio no Estado do Ceará. Anais do IX Congresso Brasileiro de Meteorologia, 1, 321-4, Rio de Janeiro.
  • Pedrosa, L.N. (1993) Planejamento agroclimático informatizado do semi-árido paraibano; relatório de pesquisa. UFPB/CNPq, Campina Grande.
  • Repelli, C.A., Alves, J.M.B. (1994) O estado da arte da previsibilidade operacional da quadra chuvosa do setor norte do Nordeste do Brasil. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2, 438-40, Belo Horizonte.