AGROSOFT
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Coordenação de Cadeias
Produtivas: Uma Aplicação de Sistemas Dinâmicos ao
Agronegócio da Carne Bovina
Autores
Bóris Alessando Wiazowski
Email: boris@alunos.ufv.br
Vínculo: Estudante de Mestrado, Universidade Federal de Vicosa , DER, UFV/MG
Endereço: R. Alberto Pacheco 15/201, Bairro: Ramos, Viçosa - MG, Cep.: 36570-000
Telefone: 31 - 891 9729Carlos Arthur Barbosa da Silva
E-mail: carthur@mail.ufv.br
Vínculo: Professor Titular, Universidade Federal de Viçosa, DTA, UFV/MG
Endereço: DTA-UFV, 36571-000, Viçosa, MG
Telefone: xx - 31 899-2292
Resumo
A compreensão do funcionamento e coordenação das diferentes cadeias produtivas do setor agroalimentar é objeto de estudo em várias partes do mundo. A descrição da estrutura da cadeia produtiva, a análise de mudanças em seu funcionamento e as implicações sobre o desempenho do sistema, são de grande relevância na busca da sua otimização. No Brasil, apesar do tamanho e importância, a cadeia produtiva de carne bovina (CPB) é pouco coordenada, com desempenho incompatível com as condições de demanda. Este artigo propõe uma melhor compreensão da CPB a partir do uso da metodologia de Sistemas Dinâmicos. Para tanto, são descritas as relações de causalidade da CPB na forma de "mapas mentais", como base para a estruturação de um modelo de simulação. A modelagem permite a compreensão de como o sistema se inter-relaciona e comporta-se ao longo do tempo. Após validado, o modelo será implementado na forma de softwares conhecidos como "management flight simulators", que podem ser usados como guias para a proposição de ações que busquem a melhoria da coordenação na CPB.
Abstract
The understanding of the behavior and coordination of different agrifood chains is an objective of studies in several areas of the world. In this regard, describing the chain structure, as well as analyzing changes in its components and the associated consequences on system performance, are relevant aspects to be considered in the quest for its optimization. Despite its economic importance, the Brazilian beef production chain is inadequately coordinated. This paper proposes the utilization of system dynamics to improve understanding of the chain, as a means towards the design of improvement policies. Causal relations in the chain are described by "mental models", as a basis to build a chain simulation model. This will allow the comprehension of how components interrelate and how the system behaves over time. After proper validation, the model can be implemented as "management flight simulators", a software that can be used as a guide to designing and testing alternative coordination policies.
Palavras chaves
carne bovina, coordenação, sistemas dinâmicos, simulação; beef production chain, coordination, system dynamics, simulation
1. INTRODUÇÃO
A compreensão do funcionamento e coordenação das diferentes cadeias produtivas do setor agroalimentar é objeto de estudo em várias partes do mundo (Schrader, 1998; Ziggers, 1997). A descrição da estrutura da cadeia produtiva, a partir da origem dos fluxos físicos, a análise de mudanças em seu funcionamento e as implicações sobre o desempenho do sistema, são de grande relevância na busca da sua otimização.
No Brasil, apesar da sua importância relativa, a cadeia produtiva de carne bovina (CPB) é pouco coordenada, com desempenho incompatível com as condições de demanda interna e externa. De fato, o país possui o segundo maior rebanho bovino mundo, e o agronegócio da carne bovina responde por 47% da produção doméstica de carnes e 3% do Produto Interno Bruto Brasileiro (Anualpec 98, 1998; Bliska e Gonçalves, 1998). Não obstante, a CPB compara-se bastante desfavoravelmente com a avicultura empresarial, que desenvolveu-se recentemente no país, de forma planejada, localizando-se proximamente das regiões produtoras de grãos e organizando-se verticalmente na forma de parcerias contratuais entre o produtor rural e a agroindústria, aumentando a oferta interna e conquistando posição de destaque nas exportações e no complexo agroindustrial brasileiro (Wiazowski, 1999). Outro entrave encontrado pela CPB está na inexistência de padrões de demanda bem definidos, em termos de atributos como o interesse, opinião e comportamento, em relação à qualidade do produto (Cesar et al., 1996), o que leva a problemas de adequação da oferta às preferências do consumidor.
Na busca de uma maior eficiência na coordenação da CPB, sistemas de incentivo, visando estimular a produção de novilho precoce (NP - novilho precoce é o animal abatido com até 30 meses de idade e 210 Kg/PV macho ou 180 Kg/PV fêmea, entre outras características zootécnicas) e a formação de alianças estão em implementação em alguns estados da federação. De acordo com a EMBRAPA (1999), deve-se quebrar o círculo vicioso no qual "o produtor não investe por não ter retorno, enquanto o consumidor não paga por não saber o que está comprando; o varejo não diferencia o produto por não saber o que recebe do frigorífico que, por sua vez, não remunera o produtor por não avaliar a qualidade das carcaças; e fechado o círculo, sem remuneração diferenciada, os produtores não são estimulados". Assim, percebe-se a necessidade de uma maior eficiência de coordenação vertical (CV) da CPB, buscando mecanismos que garantam a rastreabilidade dos produtos e assegurem seu fornecimento nas quantidades e qualidades requeridas pelo consumidor (Favaret Filho, 1998 e Gonçalves, 1998).
Segundo Peterson e Wysocki (1997), os mecanismos de CV dividem-se em cinco categorias que são: a) relações spot de mercado; b) relações contratuais; c) alianças estratégicas; d) cooperação formal e; f) integração vertical. Para Peterson e Wysocki (1997) o mecanismo de coordenação adotado varia de um extremo ao outro deste contínuo, em função dos interesses de um indivíduo ou grupo, das características de curto ou longo prazo das relações, do comportamento oportunístico ou divisão de benefícios, da disponibilidade de informações, da flexibilidade x estabilidade e da independência x interdependência.
Como afirmado anteriormente, no Brasil a integração via contratos contribuiu para a melhoria da eficiência econômica e competitiva da cadeia de aves. Para a CPB as soluções apontam para a coordenação na forma de alianças estratégicas, referidas também como alianças mercadológicas (Silva e Batalha, 1999). Estas resultam no compromisso dos segmentos de produção (pecuarista), abate/processamento (frigorífico) e distribuição de carne (supermercados, açougues e casas de carne), em ofertar uma carne bovina de qualidade superior (Pires, 1998). Alguns resultados dessa coordenação mostram ganhos de 1 a 6% sobre o valor da arroba para os produtores. A indústria, por sua vez, recebe animais com elevado rendimento industrial, reduzindo custos de produção e os consumidores recebem um produto de melhor qualidade, agregando maior confiabilidade a CPB (Almeida, 1999). Formas de implantação de alianças mercadológicas na CPB são preconizadas no "Programa Nacional da Carne de Qualidade - Novilho Precoce" e no "Programa EMBRAPA de Carne de Qualidade". Entraves a esses tipos de programa encontram-se basicamente na falta de um parâmetro de qualidade que oriente o mercado, o que faz com que a idade do animal não tenha a devida importância; na falta de informação sobre o NP nos segmentos de produção e comercialização; no incentivo fiscal ao NP, que tem estimulado somente a produção, não favorecendo o abate e desestimulando os frigoríficos a participarem do programa; e no fato dos frigoríficos credenciados estarem sujeitos a fiscalização mais rigorosa (Bliska et al., 1998).
Segundo Lazzarini (1996), os obstáculos ao rápido crescimento da CPB, não se encontram no consumo, produção ou distribuição e sim na desarticulação e falhas de coordenação do setor. Estas observações são corroboradas nos resultados do estudo coordenado por Silva e Batalha (1999). Assim, torna-se relevante modelar a estrutura do agronegócio da carne bovina como forma de se estudar os benefícios potenciais dos mecanismos alternativos de coordenação, principalmente as alianças mercadológicas, na forma dos programas de NP.
2. A METODOLOGIA DE SISTEMAS DINÂMICOS
Forrester (1961) desenvolveu o conceito de SD, que tem como foco principal a determinação da estrutura de um sistema, que por sua vez, determina seu comportamento ao longo do tempo (Cover, 1996). A partir dos trabalhos de Forrester e seu grupo no Massachusetts Institute of Technology (MIT), a modelagem de sistemas dinâmicos e sua simulação computacional permitiram a análise de diversos problemas nas áreas gerenciais e de políticas públicas (Richardson, 1996). Contudo, a complexidade dos métodos e as dificuldades de implementação computacional dos modelos dificultaram a adoção mais generalizada desta metodologia. Mais recentemente, principalmente em razão do aperfeiçoamento das ferramentas computacionais, o uso de SD tornou-se relativamente mais simples, passando a ser aplicado nas mais diversas áreas do conhecimento, observando-se um crescimento constante de aplicações ligadas ao gerenciamento do agronegócio (Maier, 1997; Nelson, 1998; Cozzarin, 1998 e Cloutier, 1999).
A metodologia de modelagem e simulação de SD envolve as seguintes etapas principais: a) construção de diagramas de influência representando os "mapas mentais" dos analistas e tomadores de decisão, os quais visam o entendimento explícito de um problema e a busca das relações entre os componentes da estrutura; b) especificação e desenvolvimento de modelos matemáticos, que visam formalizar as relações de feedback e defasagens (tempo decorrido entre estímulo e reposta) do sistema e; c) simulações do modelo, que testam hipóteses diferentes em relação ao comportamento da estrutura (Cloutier, 1999).
3. A APLICAÇÃO DE SD À CADEIA PRODUTIVA DE BOVINOS NO BRASIL
Para o desenvolvimento de um modelo representativo da CPB no Brasil, foram estabelecidos diagramas de influência que expressam as principais relações consideradas relevantes para o estudo das questões de coordenação. Com base na análise de estudos prévios sobre a estrutura e funcionamento da CPB, considerou-se que a cadeia pode ser representada de forma simplificada em três grandes segmentos, que são a produção, o abate/processamento e o consumo. Cada um dos segmentos possui seus próprios interesses e estão interligados por um fluxo físico de material (linha mais espessa na Figura 1) e por um fluxo de informações (linha tracejada), sendo ainda parte de um macroambiente (Figura 1).
Figura 1: CPB, fluxos físicos e de informações.
A formação de preços nesse macroambiente ocorre através do equilíbrio entre a oferta e a demanda. Este equilíbrio varia ao longo do tempo em função das defasagens entre as ações dos produtores em ofertar a quantidade demandada e dos compradores em adquirir as quantidades disponíveis, como mostra Cloutier (1999). Tais variações afetam as decisões dos produtores no nível operacional e tático como mostra a Figura 2.
Figura 2: Diagrama de Influência Representando o Setor de Produção
Neste diagrama os loops E1 e E2 buscam incorporar a pressuposição da defasagem ocorrida entre a resposta da oferta frente a uma variação dos preços e a resposta dos preços frente a um aumento do consumo. Ambos os loops coordenam a atividade no nível operacional. Os loops E3 e R1 assumem as pressuposições de mudanças no nível tático. O loop E3 assume a idéia de que quanto menor o número de animais (prontos para o abate) remanescentes na propriedade maior será o estímulo para investimentos em capacidade produtiva, o que conduz ao aumento da produção. O loop R1 representa as decisões do produtor em investir na produção, ou seja, genética do rebanho, precocidade, fertilidade, alimentação, etc. Num sistema eficientemente coordenado, tais decisões se ajustam às sinalizações oriundas do segmento de consumo, de forma que desequilíbrios entre oferta e demanda são minimizados.
A Figura 3 representa as decisões operacionais e táticas dentro do setor de abate/processamento. Assume-se que a estrutura de decisão é a mesma adotada para o setor de produção. Dessa forma segue-se que os loops E5, E6, E7 e R2 incorporam as mesmas pressuposições que os loops E1, E2, E3 e R1.
Figura 3: Diagrama de Influência Representando os Setores de Abate/Processamento e Consumo.
Ainda na Figura 3, o aumento da Capacidade F, implica em um maior incentivo a compra de animais, originando o loop E4, uma vez que este estímulo conduz à elevação dos preços.
A Figura 4 mostra o diagrama de influência para o sistema agroindustrial da carne bovina como um todo. Neste diagrama a coordenação da CPB via mecanismo de preços, que no Brasil são estabelecidos via mercados spot, é representada. Sabe-se, contudo, que a coordenação via preço não é necessariamente suficiente para um bom desempenho da cadeia produtiva, uma vez que este mecanismo não traz informações sobre as defasagens da produção, as necessidade funcionais e as características exigidas pelos consumidores, conforme ressaltado por Cloutier (1999) e Schrader (1998).
Figura 4: Diagrama de Influência da Cadeia Produtiva de Bovinos.
A escassez de informação inerente à coordenação via preço prejudica toda cadeia produtiva em função da fragmentação das atividades, gerando instabilidades que limitam a alocação eficiente dos recursos, e consequentemente, a otimização dos mesmos (Cloutier, 1999). Com a introdução de alianças mercadológicas do tipo NP, o diagrama de influência é alterado (Figura 5). Nota-se que as alianças permitem que a coordenação seja feita na forma de relações de parceria entre produtores, processadores e distribuidores, as quais estabelecem critérios de qualidade para a determinação de preços e de programação de demanda para o estabelecimento de quantidades. Assim, os loops E3a e E3b representam a formação de qualidade e seus efeitos sobre o preço, o que não se observa no sistema tradicional Figura 4, uma vez que as percepções de qualidade não são adequadamente consideradas pela cadeia produtiva. Embora representados separadamente, estes só existem em conjunto, uma vez que a Qualidade Real é o produto da Qualidade na Produção e no Processamento. O mesmo efeito é observado nos loops E8a e E8b em relação à Probabilidade de Aquisição C. O loop E10 representa estímulos a elevação de preços em função do aumento da demanda.
A representação matemática e a simulação do modelo esquematizado nas Figuras 4 e 5 permitirá avaliar, graficamente, a eficiência relativa das formas alternativas de coordenação sobre a velocidade de ajustes às variações de demanda (quantidades e/ou qualidades).
Figura 5: Diagrama de Influência da
Cadeia Produtiva de Bovinos Orientada
pela Confiança do Consumidor e pela Qualidade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança, a qualidade dos produtos e a competição por custos mais baixos exigem uma melhor coordenação da CPB. Assim novos arranjos organizacionais são necessários para que se garanta a maximização da eficiência do sistema. Nesse sentido, a modelagem de cadeias produtivas a partir de SD, incorpora características físicas e organizacionais dos componentes do sistema, melhorando a compreensão acerca da sua estrutura e seu funcionamento. A partir do refinamento dos diagramas de influência elaborados, serão construídos modelos de simulação na forma de "management flight simulators", os quais podem ser considerados como softwares de apoio à processos decisórios, permitindo testar as alterações em parâmetros chave sobre o comportamento do sistema ao longo do tempo. Para a cadeia de carne bovina no Brasil, espera-se que as simulações auxiliem a confirmação das hipóteses a respeito das vantagens desta forma de coordenação. Espera-se também, nesta hipótese, que os "management flight simulators" auxiliem na formulação de políticas de incentivo à formação de alianças.
5. REFERÊNCIAS