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DELEITE: Diagnóstico inicial de problemas relacionados ao rebanho leiteiro
José Luís Braga Emerich Michel de Sousa
Christiano Nascif Nádia Vieira Leão Pereira
Resumo O DELEITE - Sistema Especialista em Produtividade de Rebanho Leiteiro foi construído com o objetivo de ser um sistema especialista capaz de emitir diagnósticos sobre problemas relacionados com alimentação, sanidade e manejo reprodutivo de rebanhos leiteiros. Pelo uso de diálogos estruturados, o sistema solicita ao usuário externo informações necessárias para a formação de um diagnóstico. Ao final de uma sessão de interação, o sistema emite um laudo para o usuário, contendo um diagnóstico preliminar do problema detectado. Foi construído pelo uso de técnicas originadas da engenharia de conhecimento e sua base de conhecimento atual conta com 104 regras heurísticas depuradas e validadas por mais de um especialista. Seus diagnósticos atingem um alto grau de acerto, concordando com os dos especialistas que o testaram. Palavras-chave Bovino, intervalo entre partos, manejo de rebanho leiteiro, produtividade, sistemas especialistas. Abstract DELEITE - Expert System in Dairy Herd Productivitiy was built driven by the goal of being an expert system able to diagnose problems related to feeding, sanity and reproduction of dairy herd. By using structured dialogues, the system asks the user all the necessary input to build a diagnostic. At the end of a session the system displays a preliminar diagnostic for the problem presented. DELEITE was built using knowledge engineering techniques and its knowledge base now has 104 heuristic rules, already debugged and validated by more than one expert. Its final diagnostic are highly confident, agreeing with the experts that validated it. Key Words Bovine, calving intervals, dairy herd management, productivity, expert systems.
1. INTRODUÇÃO Estima-se para o ano 2000 uma demanda de 30 bilhões de litros de leite para atender às necessidades do mercado brasileiro. Isto representa um imenso desafio para a pecuária leiteira nacional que conta, hoje, com uma produção estimada em 16,7 bilhões de litros anuais, mas ao mesmo tempo acena com boas perspectivas para o setor: aumentos na produção serão muito bem vindos e absorvidos integralmente pelo mercado. Durante a década de 70, o crescimento da produção deveu-se, em boa parte, ao aumento do número de vacas ordenhadas. A produtividade do rebanho pouco contribuiu para o aumento da produção nesse período. No período de 1980-93, aumentos de produtividade participaram com 53% no crescimento da produção, ficando 47% para o crescimento do rebanho de vacas ordenhadas (Gomes, 1996). O leite é uma atividade com pequena margem de ganho unitário (por litro de leite). Sendo assim, é preciso associar o aumento da produtividade do rebanho (que proporciona redução no custo de produção por litro de leite) ao aumento da produção da empresa (Sousa, 1995) (Gomes, 1996). Neste contexto, a análise do intervalo entre partos (IEP) ocupa um lugar de destaque entre os fatores que afetam a eficiência de um sistema de produção de leite, constituindo-se em um dos principais indicadores do desempenho da pecuária (Faria, 1988). Deseja-se um IEP ideal igual a 12 meses, ou seja, cada vaca produzindo uma cria por ano. Qualquer aumento no seu valor representa a existência de algum problema na atividade, alguma ineficiência no manejo do gado, além de uma redução na escala de produção. A título de exemplo, pode-se analisar o caso do Brasil. Uma redução do IEP de 19 meses para 13 meses proporcionaria uma melhoria de cerca de 46% nos índices zootécnicos e nos resultados da atividade. Obter-se-ia um aumento de 9 milhões de crias no número de nascimentos/ano e um aumento considerável na produção de leite, com disponibilidade per capita próxima do nível de consumo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O intervalo entre partos é fortemente influenciado pela alimentação e pelos manejos reprodutivo e sanitário, sendo que diferentes inter-relações entre estes itens ocorrem e vão influenciar de diferentes maneiras a performance reprodutiva do rebanho e, consequentemente, seu desempenho econômico. Sistemas especialistas (SE) (Jackson, 1990) (Stefik, 1995) são "programas que representam e inferem sobre um conhecimento específico de um determinado assunto no sentido de achar soluções de problemas ou dar assistência para que uma pessoa possa resolvê-los". Um dos objetivos de se construir um sistema assim é fazer com que o conhecimento que um especialista possui, normalmente de difícil disseminação, possa ser utilizado em parte por um número maior de pessoas, possibilitando seu aproveitamento, preservação e transferência a outros especialistas ou usuários do sistema. Um SE tem os seguintes componentes principais:
Na agropecuária e agronegócios, a capacidade de analisar os dados disponíveis no contexto específico de cada problema é fundamental para tornar as decisões administrativas mais eficientes. Neste contexto, os SE podem se revelar importantes instrumentos de auxílio à tomada de decisões, fornecendo interpretações de resultados técnicos e econômicos e recomendando ações a serem implantadas, sendo um auxílio inestimável ao produtor e pequeno empresário, que poderiam levar a tecnologia ao campo, a baixo custo Tendo em vista esse objetivo, foi construído um SE na área de reprodução animal, o DELEITE (Braga e outros, 1996), cujo objetivo maior é fornecer subsídios ao produtor na resolução de problemas rotineiramente defrontados na sua atividade. Além disso, objetivou-se:
Além disto, como um efeito colateral, o DELEITE também pode ser usado como uma poderosa e útil ferramenta de ensino e treinamento na área.
2. MATERIAL E MÉTODOS O sistema DELEITE foi construído segundo técnicas modernas para construção de sistemas de conhecimento (Jackson,1990) (Shreiber e outros, 1993). As fases utilizadas no desenvolvimento foram: estudo do problema pela equipe de desenvolvimento, entrevistas com o especialista envolvido, construção de um primeiro protótipo, experimentação do protótipo com problemas que ele é capaz de resolver, críticas do especialista, melhoria do protótipo, e assim sucessivamente, até que se tenha uma base de conhecimento que possibilite a solução, com alto grau de acerto, da maioria dos problemas proposto. De todas essas fases, a mais complexa e que toma mais tempo é a denominada aquisição de conhecimento (Firlej e outros, 1991) (Braga e outros, 1992) que geralmente é levada a cabo através de entrevistas com o especialista, estudo de material correlato, observação da forma como o especialistas resolve problemas práticos, etc. O engenheiro de conhecimento, no caso, é o profissional que deve se encarregar de acompanhar essa fase, construindo a base de conhecimento incrementalmente, depurando-a e garantindo que seu conteúdo seja consistente. Métodos semi-automáticos, em que o computador desempenha o papel de extrator de conhecimento, existem e são objeto de pesquisa. O conhecimento do especialista é inserido na base de conhecimento usando a linguagem própria do pacote escolhido para a implementação. O DELEITE foi desenvolvido em ambiente EXSYS para Windows. Trata-se de um sistema baseado em regras (Stefik, 1995), sendo o conhecimento heurístico do especialista expresso na forma de sentenças IF<premissas>THEN<conclusão>, onde <premissas> representa uma sequência de fatos que devem se verificar (são interligadas pelo conectivo lógico "e") para que a <conclusão> possa ser assumida como verdadeira no contexto. Pelo uso deste tipo de regra, a máquina de inferência do sistema faz um encadeamento de regras correlatas, tentando construir um caminho que leve do problema à sua solução. O sistema pode não conseguir resolver o problema, por falta de conhecimento na base, ou chega a alguma conclusão, emitindo então um laudo final. Esse laudo contém a descrição do problema detectado, e propõe possíveis soluções a serem adotadas. A base de conhecimento do DELEITE
é composta por conhecimento referente a alimentação,
reprodução e sanidade, organizadas logicamente como bases de
conhecimento distintas e relacionadas. A estrutura geral destas
bases está mostrada na Figura 1. A solução de problemas
inicia-se com uma interação com o usuário do sistema. O
sistema solicita
Figura 1: Bases de conhecimento utilizadas no SE. informações ao usuário, referentes ao intervalo entre partos, tipo de alimentação, controle de cio, etc. Na medida em que as respostas vão sendo fornecidas, o sistema vai fazendo o encadeamento de regras, até que seja possível emitir um laudo conclusivo. A interação com o usuário em todas as fases de solução é um ponto forte do sistema, que usa o conhecimento do usuário externo como uma extensão do conhecimento contido nas suas bases de conhecimento. A seguir, são mostrados exemplos
de regras das bases de conhecimento do sistema. No total, são
104 regras deste tipo em todas as três bases. O número de
regras pode variar com o tempo, pois o engenheiro de conhecimento
faz, periodicamente, uma análise das bases, agrupando regras
semelhantes ou eliminando regras que já tenham sido incorporadas
em outras regras mais fortes.
RULE Conclui que o manejo está correto IF aux = 1 //variável de controle AND média do período entre partos IS 13 meses OR média do período entre partos IS 14 meses AND produtividade > 10 THEN Manejo Correto do Gado de Leite AND avaliação reprodutiva IS SATISFATÓRIA
RULE Pastagem natural/águas/volumoso e ração na seca IF falta alimento AND período do ano IS das águas AND complementação alimentar IS Volumoso e ração na seca THEN falta de volumoso IS está AND avaliação alimentação IS REGULAR
RULE Manejo Incorreto IA IF método de reprodução IS inseminação artificial AND encarregado que identifica IS é treinado AND tentativas de identificação IS duas ou mais vezes ao dia AND encarregado da inseminação IS não é treinado THEN O problema é de manejo reprodutivo AND avaliação do manejo reprodutivo IS INSATISFATÓRIA AND comentário IS treinamento RULE Parições insatisfatórias IF parições IS partos distocicos com frequência THEN O problema é de manejo sanitário AND avaliação partos IS INSATISFATÓRIA AND orientação IS Atenção com o programa de acasalamento Iniciando-se uma consulta ao sistema, primeiramente será analisado o intervalo entre partos (IEP) das vacas da fazenda em questão, devido a sua importância já mencionada. O IEP juntamente com a análise da produtividade das vacas serão necessários para a diferenciação de rebanhos com problemas de rebanhos sãos. No segundo caso, a consulta se dará por encerrada, uma vez que não existem problemas com o gado. Já no primeiro, a interação com o usuário continuará, percorrendo, se necessário, as três bases de conhecimento (alimentação, reprodução e sanidade), procurando detectar as possíveis causas do problema com o rebanho. Na base de reprodução o sistema seguirá caminhos distintos de acordo com o método de reprodução utilizado na fazenda. Toda a análise segue a mesma filosofia, de sempre dirigir ao usuário, através de diálogos adequados, perguntas que complementem o conhecimento contido na base que está sendo utilizada no momento. Pelo uso do conhecimento da base de sanidade, o sistema consegue determinar se o rebanho tem problemas de doenças venéreas, se há problemas de condição corporal das vacas, se o intervalo entre partos do rebanho está em níveis aceitáveis, dentre outros. Após a consulta as três bases, o sistema estará pronto para mostrar o laudo obtido ao usuário, apontando possíveis falhas e soluções para se solucionar o problema.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO No estágio atual de desenvolvimento do DELEITE, seu desempenho na solução de problemas reais foi validado por um segundo especialista, que não participou das etapas de construção das bases iniciais de conhecimento. Falhas nos diagnósticos foram corrigidas, e o sistema apresenta um nível de acerto dentro dos padrões desejáveis. Esse desempenho foi conseguido após o sistema ter sido validado em sessões sucessivas de uso, por um segundo especialista que não participou do seu desenvolvimento. Essas sessões foram acompanhadas pelos engenheiros do conhecimento responsáveis pela sua construção, e pelo especialista que participou do desenvolvimento. Das discussões entre os dois especialistas, os engenheiros refinaram as bases e eliminaram erros e inconsistências que se apresentaram. Após sucessivos refinamentos da base, resultantes de sessões de validação com o segundo especialista, o sistema tem, no momento, 104 regras em suas bases de conhecimento, resolvendo o mesmo conjunto de problemas que se resolvia inicialmente com 150 regras.
4. CONCLUSÕES O DELEITE foi construído na tentativa de obter uma ferramenta capaz de fornecer subsídios ao produtor na resolução de problemas rotineiramente defrontados na sua atividade, possibilitando ganhos de produtividade na atividade leiteira, de fácil utilização. Apesar de ainda não ter sido testado extensivamente no campo, com casos reais, alguns testes provisórios foram feitos, e seu desempenho mostrou-se satisfatório. Esses resultados mostram claramente que o uso da tecnologia de sistemas especialistas é promissor, permitindo antever sistemas sofisticados, que permitam aumentar a produtividade no campo sem a presença do especialista, monitorada por extensionistas no local ou mesmo a distância, usando meios de comunicação adequados.
5. REFERÊNCIAS
6. BIOGRAFIA José Luís Braga, Professor Adjunto IV do Departamento de Informática da UFV. Graduado em Engenharia Elétrica pelo IPUC/UCMG, 1976, tem Mestrado em Ciência da Computação pelo DCC/UFMG, 1981, e Doutorado em Informática pela PUC/Rio, 1990. Pesquisa atualmente nas áreas de Sistemas de Suporte à Decisão, Sistemas para Processamento de Conhecimento e Interfaces Cooperativas. Emerich Michel de Sousa, Médico Veterinário pela UFV, 1989, tem Mestrado em Economia Rural pelo DER/UFV, 1995. Atua em pesquisas em Sistemas Especialistas para Rebanhos Leiteiros, tendo se dedicado nos últimos três anos ao projeto DELEITE. Christiano Nascif, Zootecnista pela UFV, 1994, atualmente é técnico do Convênio Nestlé/FUNARBE/UFV, atuando em pesquisas de melhoria de produtividade de rebanhos leiteiros. Nádia Vieira Leão Pereira,
Bacharel em Informática pela UFV, 1996. Atualmente é aluna de
Mestrado em Ciência da Computação no DCC/UNICAMP. |