Programa de simulação de um receptor GPS,
para testes de equipamentos usados em agricultura de precisão
Sérgio Miranda Paz
smpaz@laa.pcs.usp.br
Carlos Eduardo Cugnasca
cecugnas@usp.br
Antonio Mauro Saraiva
amsaraiv@usp.br
Laboratório de Automação Agrícola - Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo
Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. 3, n.
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Resumo
O computador de bordo de um veículo utilizado
em Agricultura de Precisão, em geral, conecta-se a um receptor
GPS, que lhe fornece informação sobre a sua posição corrente.
No entanto, não é possível o uso do receptor GPS em testes
desse equipamento em laboratório. Este trabalho apresenta um
programa de computador que simula um receptor GPS itinerante,
para viabilizar esses testes. Usada durante o desenvolvimento de
um monitor de colheita de algodão, na Texas A&M University
(EUA), uma versão preliminar do programa ajudou a detectar e
corrigir erros antes dos testes de campo. Uma segunda versão,
aprimorada, vem sendo utilizada nos testes de um monitor de
semeadora, desenvolvido pelo Laboratório de Automação
Agrícola da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Abstract
Usually, the on-board computer of a vehicle
used in Precision Farming is connected to a GPS receiver, that
provides information about the vehicle's current position. Using
a GPS receiver during test of it performed inside a laboratory,
however, is not possible. This paper presents a computer program
that simulates a moving GPS receiver, in order to make these
tests possible. Used during the development of a cotton picker
monitor at Texas A&M University (USA), a previous version of
the program helped to detect and correct errors before field
tests. An improved version is being used to test a planter
monitor, developed at Agricultural Automation Laboratory of
University of São Paulo.
Palavras-chave
Agricultura de
Precisão; computador de bordo; monitor de colheita de algodão;
monitor de semeadora; receptor GPS; testes.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é apresentar um
programa de computador destinado a testes de computadores de
bordo de veículos utilizados em Agricultura de Precisão, que
utilizam um receptor GPS.
Inicialmente, são expostos os motivos pelos
quais se acredita que as aplicações de receptores GPS tendem a
se expandir, especialmente aquelas em que o receptor se conecta a
outro equipamento, como um computador de bordo.
Em seguida, é mostrada a importância da fase
de testes num projeto de Engenharia. As dificuldades para a
realização de testes em um computador de bordo de um veículo
são enfatizadas.
A ferramenta de testes - um programa simulador
de um receptor GPS em movimento - é, então, detalhada. São
descritos os 5 requisitos impostos ao simulador, e apresentadas
as formas como cada requisito é satisfeito.
Na seqüência, é apresentado um resumido
relato da utilização do programa simulador nos testes já
efetuados: num monitor de colheita de algodão, e num monitor de
semeadora.
Finalmente, procura-se fazer uma avaliação do
simulador, apresentado-se alguns comentários sobre os resultados
de sua utilização.
2. APLICAÇÕES DE RECEPTORES GPS
Há diversas razões para se acreditar que o
crescente uso de receptores GPS deverá se expandir ainda mais no
futuro próximo.
Em primeiro lugar, deve-se considerar que,
embora tenha sido concebido há mais de 20 anos, apenas
recentemente o sistema se tornou totalmente operacional, quando
passou a funcionar com os 24 satélites previstos (Krüger,
1994). Apesar das simulações feitas, que levaram a previsões
sobre a precisão e a disponibilidade do sistema, os resultados
obtidos na prática superaram as expectativas em muitos aspectos.
E, mesmo assim, um novo bloco de satélites já está sendo
construído, enquanto novas melhorias são discutidas para o
futuro. É de se esperar, portanto, que o sistema ainda venha a
ser bastante aperfeiçoado (Blitzkow, 1995).
Uma forte razão, de natureza política, deve
também ser considerada. A aplicação original do GPS era
militar; naquela época, o mundo estava dividido em dois blocos
antagônicos, e ambos os lados faziam vultosos investimentos
naquilo que se chamou "corrida armamentista". Hoje,
terminada a "Guerra Fria", vive-se outra realidade, e a
tendência é a de que o GPS deixe de ser caracterizado como um
instrumento militar, e passe a ser controlado pelo segmento civil
da sociedade. Já se comenta, inclusive, a possibilidade do
desligamento definitivo da "disponibilidade seletiva"
(recurso que propositadamente degrada a precisão do sistema,
restringindo a maior precisão aos receptores militares).
Outro fator para a expansão do uso de
receptores é o interesse econômico das diversas empresas já
estabelecidas no mercado. Cresce cada vez mais o número de
fabricantes, comerciantes, provedores de correção para GPS
diferencial, prestadores de serviço, editores de publicações
especializadas, etc. (Longsdon, 1992). Duas conseqüências
importantes dessa expansão de mercado são a crescente
ampliação do número de modelos de receptores, cada vez mais
especializados para sua aplicação; e a significativa redução
do preço: há pouco mais de 10 anos, o receptor mais barato
custava perto de 40 mil dólares, enquanto hoje há modelos que
custam menos de 200 dólares.
É natural, portanto, que continuem surgindo as
mais variadas aplicações para o GPS (Paz, 1996). Para muitas
delas, os receptores disponíveis são auto-suficientes. Os
recursos que eles oferecem - teclado, mostrador, memória, canal
de comunicação com um computador - em geral atendem às
necessidades das aplicações.
Cresce, porém, o número de casos nos quais o
receptor GPS é parte de um sistema maior, atuando apenas como
fornecedor de informações sobre posicionamento. Isso ocorre,
por exemplo, nos equipamentos utilizados em Agricultura de
Precisão, para os quais a informação de posição tem
importância fundamental (Searcy, 1995; Sttaford, 1994). O
computador de bordo de um veículo agrícola, em geral,
conecta-se a um receptor GPS, para dele receber informações
sobre sua posição.
3. O PROBLEMA DOS TESTES
DE EQUIPAMENTOS
O desenvolvimento de equipamentos aos quais se
conecta um receptor GPS, tarefa da Engenharia Eletrônica,
envolve o que se chama de "ciclo de projeto", que se
constitui de diversas etapas. Uma delas, bastante importante, mas
nem sempre alvo da devida atenção, é a etapa de testes, cuja
execução pode exigir uma logística e uma infra-estrutura mais
complexas do que o próprio projeto sendo testado.
Não existe uma receita para se fazer um teste;
cada caso é um caso. No entanto, é muito comum a observação
do comportamento de um equipamento sendo testado, em função dos
estímulos que lhe são fornecidos. As saídas produzidas por ele
são analisadas com base nas entradas que lhe foram impostas. O
confronto entre os resultados esperados e os resultados obtidos
pode dar alguma indicação sobre o funcionamento do equipamento.
Essa estratégia de testes exige um certo
planejamento. É preciso, por exemplo, que se saiba quais as
saídas esperadas para as entradas fornecidas. É conveniente que
se forneçam as entradas mais comumente utilizadas, e que
ofereçam maior probabilidade de se detectar um erro. E é
necessário que haja recursos para a geração das entradas e a
observação das saídas.
Outro fator importante no planejamento de um
teste, ainda mais no caso dos equipamentos agrícolas, é o
ambiente onde o teste se realiza. Esse ambiente deve oferecer as
condições para a execução do teste (ferramentas, livros,
catálogos), possibilitando o controle das entradas e a
observação das saídas, e reduzindo fatores externos
prejudiciais (como ruídos, condições atmosféricas
desfavoráveis), etc. Não por acaso, o termo
"laboratório", usado para designar o ambiente de
testes, carrega implícitos todos esses conceitos.
A execução de testes em laboratório,
empregando a técnica do fornecimento de entradas e análise das
saídas, é adequada ao desenvolvimento de equipamentos que
utilizam um receptor GPS. Há, porém, uma restrição séria:
para gerar as informações usuais, o receptor GPS precisa estar
em movimento, que, no presente caso, fica limitado às dimensões
do laboratório. Mais ainda: se o laboratório for fechado e
coberto, o receptor GPS não funciona, pois não é capaz de
captar os sinais emitidos pela constelação de satélites. Fica
claro, portanto, que a utilização de um receptor GPS para
testes no interior de um laboratório não é possível.
4. REQUISITOS DO
SIMULADOR
Para resolver o problema dos testes em
laboratório de equipamentos agrícolas que utilizam um receptor
GPS, concebeu-se uma ferramenta de testes, uma espécie de
simulador, que substitui o receptor GPS em movimento. Os cinco
requisitos impostos à ferramenta deixaram evidente que sua
implementação poderia se constituir num programa de computador.
O primeiro requisito refere-se ao controle da
movimentação: o simulador deve oferecer, ao seu operador,
condições para que ele, virtualmente, "pilote" um
veículo imaginário. Para isso, o operador se utiliza das teclas
com setas do teclado do computador, que alteram a velocidade do
veículo.
Através de um mapa apresentado na tela,
mostrando o veículo e sua trajetória, o simulador atende ao seu
segundo requisito: a visualização da movimentação.
A fim de reproduzir mais fielmente o
comportamento de um receptor GPS, o simulador introduz erros
aleatórios nas posições fornecidas.
O quarto requisito obriga o simulador a
apresentar uma interface semelhante à dos receptores GPS do
mercado. Para tanto, o programa se utiliza do canal serial do
computador, pelo qual envia mensagens segundo o protocolo
"NMEA-0183" (Longley, 1995).
Finalmente, através da configuração de
parâmetros, o simulador é uma ferramenta flexível e
abrangente, seu quinto requisito.
5. USO EM AGRICULTURA DE
PRECISÃO
A ferramenta para testes de equipamentos aqui
apresentada foi implementada em duas versões. A primeira delas
foi codificada na linguagem "C++", para ser executada
no ambiente do sistema DOS, e foi utilizada nos testes do
computador de bordo de uma máquina utilizada em Agricultura de
Precisão. A segunda versão incorpora alguns recursos não
existentes na primeira, e apresenta interface com o operador mais
sofisticada, compatível com o ambiente "Windows",
tendo sido codificada na linguagem "Visual Basic".
1- O projeto "MAPS"
A utilização da primeira versão pôde
comprovar a sua utilidade. O equipamento em teste, um computador
de bordo de máquina agrícola, é parte de um projeto de
Agricultura de Precisão, denominado "MAPS" (de
"Management of Agricultural Production Spatially", ou
"Gerenciamento Especial de Produção Agrícola"), que
vem sendo desenvolvido pelo Departamento de Engenharia Agrícola
da Texas A & M University, EUA (Motz, 1993).
Basicamente, o computador de bordo do sistema
MAPS compõe-se de uma unidade central de processamento, unidades
de memória (acionadores de disco, cartões, RAM), dispositivos
de interface com o operador (teclado, vídeo) e dispositivos de
interface com outros equipamentos (portas seriais e paralelas,
conversor análogo/digital). Uma das portas seriais é utilizada
para a comunicação com um receptor GPS.
Foram testadas três funções no computador de
bordo, com o simulador: monitoração da colheita de algodão,
obtenção das coordenadas dos vértices de um terreno e
monitoração da coleta de amostras de solo. Nos testes, o
programa foi instalado num microcomputador da linha IBMPC,
conectado, via cabo, ao computador de bordo, no lugar do receptor
GPS.
2- O monitor de semeadora
A segunda versão do simulador vem sendo
utilizada nos testes de outro equipamento de uso em Agricultura
de Precisão: um monitor de semeadora.
Concebido pelo Laboratório de Automação
Agrícola (LAA) do Departamento de Engenharia de Computação e
Sistemas Digitais (PCS) da Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo (EPUSP), sua função original é a sinalização de
falhas detectadas durante a operação de semeadura.
A esse monitor, foi incorporado um receptor
GPS, que lhe fornece informações sobre a posição da máquina
semeadora. Juntando os dados coletados sobre a semeadura às
posições obtidas pelo receptor GPS, é possível se elaborar um
mapa da semeadura executada.
6. CONCLUSÕES
Graças ao uso do simulador, pôde-se detectar
e corrigir erros no computador de bordo, ainda na fase de testes
de laboratório. Dessa forma, evitou-se que esses erros fossem se
manifestar somente quando fossem executados os testes de campo.
É importante que esse fato seja destacado. A
logística para a execução de testes de campo pode ser bem
complicada. No caso do monitor de colheita de algodão, por
exemplo, eles exigiam grandes deslocamentos (500km) de uma equipe
de técnicos (4 engenheiros) e de material (uma colhedora, duas
caminhonetes, um reboque e diversas ferramentas) por um
prolongado período (duas semanas). E, mesmo assim, para se
realizarem os testes, era preciso que houvesse condições
meteorológicas satisfatórias, bom funcionamento de todo o
material e plantação disponível e adequada para a colheita, o
que nem sempre ocorreu.
Além de ser uma ferramenta valiosa na
detecção, correção e prevenção de erros de projeto, o
simulador pode, também, ser bastante útil na especificação do
modelo do receptor GPS a ser utilizado no projeto, devido às
facilidades de configuração que ele oferece. Seu uso pode,
ainda, antecipar o início dos testes, que podem ser realizados
antes mesmo da aquisição do receptor. E, mesmo após a
incorporação do receptor, o simulador pode voltar a ser
utilizado, agora para ajudar na detecção de incorreções na
documentação fornecida pelos fabricantes, que a experiência
tem mostrado serem bastante freqüentes.
Embora ainda existam alguns aspectos para ser
aprimorado, espera-se que, pelo seu bom desempenho nos testes de
equipamentos já realizados, o simulador possa ser de grande
utilidade para o desenvolvimento de outros equipamentos em
Agricultura de Precisão.
7. REFERÊNCIAS
- Blitzkow, D. (1995) NAVSTAR/GPS - Um
desafio tornado realidade. Anais do III Simpósio
Brasileiro de Geoprocessamento, EPUSP, São Paulo,
SP, p.429-462.
- Krüger, G.; Springer, R.; Lechner, W.,
(1994) Global Navigation Satellite Systems (GNSS). Computers
and Electronics in Agriculture, EUA, 11, p.3-21.
- Langley, R.R. (1995) NMEA 0183: a GPS
receiver interface standard. GPS World, Eugene,
EUA, 6 (7), p.5457.
- Logsdon, T., (1992) The NAVSTAR Global
Positioning System. Van Nostrand Reinhold, New York,
EUA.
- Motz, D.S.; Searcy, S.W.; Neuhaus, P.E.,
(1993) PC-MAPS - A tool for site specific crop
management. 1993 ASAE International Winter Meeting,
artigo n.93-3.556, ASAE, St. Joseph, EUA.
- Paz, S.M.; Cugnasca, C.E.; Saraiva, A.M.,
(1996) O Sistema de Posicionamento Global (GPS) e suas
aplicações. Palestra do 7o
Congresso Nacional de Automação Industrial, São
Paulo, SP.
- Searcy, S.W., (1995) Engineering systems
for site-specific management: opportunities and
limitations. Site-Specific Management for Agricultural
Systems, ASA-CSSA-SSSA, Madison, EUA, p.603-612.
- Stafford, J.V., Ambler, B., (1994)
In-field location using GPS for spatially variable field
operations. Computers and Electronics in Agriculture,
EUA, 11, p.23-36.
8. BIOGRAFIAS
Sérgio Miranda Paz
Engenheiro eletrônico pela EPUSP - Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (1981), Bacharel em
Ciência da Computação pelo IME - Instituto de Matemática e
Estatística da USP (1983), Mestre em Engenharia pela EPUSP
(1997), e Doutorando em Engenharia pela EPUSP. Foi pesquisador
visitante do Agricultural Engineering Department da Texas
A & M University, EUA (19951996). Atual
pesquisador do LAA - Laboratório de Automação Agrícola da
EPUSP (desde 1989), e da FDTE - Fundação para o Desenvolvimento
Tecnológico da Engenharia (desde 1982), e Professor do
Departamento de Tecnologia em Processamento de Dados da FAPA -
Faculdade Paulistana de Ciências e Letras (1997).
Carlos Eduardo Cugnasca
Engenheiro eletrônico pela EPUSP - Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (1980), Mestre em
Engenharia pela EPUSP (1988), e Doutor em Engenharia pela EPUSP
(1993). Atual Professor do PCS - Departamento de Engenharia de
Computação e Sistemas Digitais da EPUSP (desde 1988),
coordenador do LAA - Laboratório de Automação Agrícola da
EPUSP (desde 1989), coordenador dos Cursos de Extensão do
PCS-USP, pesquisador da FDTE - Fundação para o Desenvolvimento
Tecnológico da Engenharia (desde 1982), e gerente de projetos
nas áreas de automação industrial, comercial e agrícola.
Antonio Mauro Saraiva
Engenheiro eletrônico pela EPUSP - Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (1980), Engenheiro
Agrônomo pela ESALQ - Escola Superior de Agricultura "Luiz
de Queiroz" da USP (1987), Mestre em Engenharia pela EPUSP
(1993), e Doutorando em Engenharia pela EPUSP. Atual Professor do
PCS - Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas
Digitais da EPUSP (desde 1989), idealizador e coordenador do LAA
- Laboratório de Automação Agrícola da EPUSP (desde 1989) e
pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Automação Agrícola da
USP e da FDTE - Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da
Engenharia (desde 1989).
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