AGROSOFT 97
I Congresso da SBI-Agro


Programa de simulação de um receptor GPS, para testes de equipamentos usados em agricultura de precisão

 

Sérgio Miranda Paz
smpaz@laa.pcs.usp.br

Carlos Eduardo Cugnasca
cecugnas@usp.br

Antonio Mauro Saraiva
amsaraiv@usp.br

Laboratório de Automação Agrícola - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. 3, n. 158, sala C2-56 - CEP 05508-900
São Paulo - SP - Brasil
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Resumo

O computador de bordo de um veículo utilizado em Agricultura de Precisão, em geral, conecta-se a um receptor GPS, que lhe fornece informação sobre a sua posição corrente. No entanto, não é possível o uso do receptor GPS em testes desse equipamento em laboratório. Este trabalho apresenta um programa de computador que simula um receptor GPS itinerante, para viabilizar esses testes. Usada durante o desenvolvimento de um monitor de colheita de algodão, na Texas A&M University (EUA), uma versão preliminar do programa ajudou a detectar e corrigir erros antes dos testes de campo. Uma segunda versão, aprimorada, vem sendo utilizada nos testes de um monitor de semeadora, desenvolvido pelo Laboratório de Automação Agrícola da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Abstract

Usually, the on-board computer of a vehicle used in Precision Farming is connected to a GPS receiver, that provides information about the vehicle's current position. Using a GPS receiver during test of it performed inside a laboratory, however, is not possible. This paper presents a computer program that simulates a moving GPS receiver, in order to make these tests possible. Used during the development of a cotton picker monitor at Texas A&M University (USA), a previous version of the program helped to detect and correct errors before field tests. An improved version is being used to test a planter monitor, developed at Agricultural Automation Laboratory of University of São Paulo.

Palavras-chave

Agricultura de Precisão; computador de bordo; monitor de colheita de algodão; monitor de semeadora; receptor GPS; testes.

 

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar um programa de computador destinado a testes de computadores de bordo de veículos utilizados em Agricultura de Precisão, que utilizam um receptor GPS.

Inicialmente, são expostos os motivos pelos quais se acredita que as aplicações de receptores GPS tendem a se expandir, especialmente aquelas em que o receptor se conecta a outro equipamento, como um computador de bordo.

Em seguida, é mostrada a importância da fase de testes num projeto de Engenharia. As dificuldades para a realização de testes em um computador de bordo de um veículo são enfatizadas.

A ferramenta de testes - um programa simulador de um receptor GPS em movimento - é, então, detalhada. São descritos os 5 requisitos impostos ao simulador, e apresentadas as formas como cada requisito é satisfeito.

Na seqüência, é apresentado um resumido relato da utilização do programa simulador nos testes já efetuados: num monitor de colheita de algodão, e num monitor de semeadora.

Finalmente, procura-se fazer uma avaliação do simulador, apresentado-se alguns comentários sobre os resultados de sua utilização.

 

2. APLICAÇÕES DE RECEPTORES GPS

Há diversas razões para se acreditar que o crescente uso de receptores GPS deverá se expandir ainda mais no futuro próximo.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que, embora tenha sido concebido há mais de 20 anos, apenas recentemente o sistema se tornou totalmente operacional, quando passou a funcionar com os 24 satélites previstos (Krüger, 1994). Apesar das simulações feitas, que levaram a previsões sobre a precisão e a disponibilidade do sistema, os resultados obtidos na prática superaram as expectativas em muitos aspectos. E, mesmo assim, um novo bloco de satélites já está sendo construído, enquanto novas melhorias são discutidas para o futuro. É de se esperar, portanto, que o sistema ainda venha a ser bastante aperfeiçoado (Blitzkow, 1995).

Uma forte razão, de natureza política, deve também ser considerada. A aplicação original do GPS era militar; naquela época, o mundo estava dividido em dois blocos antagônicos, e ambos os lados faziam vultosos investimentos naquilo que se chamou "corrida armamentista". Hoje, terminada a "Guerra Fria", vive-se outra realidade, e a tendência é a de que o GPS deixe de ser caracterizado como um instrumento militar, e passe a ser controlado pelo segmento civil da sociedade. Já se comenta, inclusive, a possibilidade do desligamento definitivo da "disponibilidade seletiva" (recurso que propositadamente degrada a precisão do sistema, restringindo a maior precisão aos receptores militares).

Outro fator para a expansão do uso de receptores é o interesse econômico das diversas empresas já estabelecidas no mercado. Cresce cada vez mais o número de fabricantes, comerciantes, provedores de correção para GPS diferencial, prestadores de serviço, editores de publicações especializadas, etc. (Longsdon, 1992). Duas conseqüências importantes dessa expansão de mercado são a crescente ampliação do número de modelos de receptores, cada vez mais especializados para sua aplicação; e a significativa redução do preço: há pouco mais de 10 anos, o receptor mais barato custava perto de 40 mil dólares, enquanto hoje há modelos que custam menos de 200 dólares.

É natural, portanto, que continuem surgindo as mais variadas aplicações para o GPS (Paz, 1996). Para muitas delas, os receptores disponíveis são auto-suficientes. Os recursos que eles oferecem - teclado, mostrador, memória, canal de comunicação com um computador - em geral atendem às necessidades das aplicações.

Cresce, porém, o número de casos nos quais o receptor GPS é parte de um sistema maior, atuando apenas como fornecedor de informações sobre posicionamento. Isso ocorre, por exemplo, nos equipamentos utilizados em Agricultura de Precisão, para os quais a informação de posição tem importância fundamental (Searcy, 1995; Sttaford, 1994). O computador de bordo de um veículo agrícola, em geral, conecta-se a um receptor GPS, para dele receber informações sobre sua posição.

 

3. O PROBLEMA DOS TESTES DE EQUIPAMENTOS

O desenvolvimento de equipamentos aos quais se conecta um receptor GPS, tarefa da Engenharia Eletrônica, envolve o que se chama de "ciclo de projeto", que se constitui de diversas etapas. Uma delas, bastante importante, mas nem sempre alvo da devida atenção, é a etapa de testes, cuja execução pode exigir uma logística e uma infra-estrutura mais complexas do que o próprio projeto sendo testado.

Não existe uma receita para se fazer um teste; cada caso é um caso. No entanto, é muito comum a observação do comportamento de um equipamento sendo testado, em função dos estímulos que lhe são fornecidos. As saídas produzidas por ele são analisadas com base nas entradas que lhe foram impostas. O confronto entre os resultados esperados e os resultados obtidos pode dar alguma indicação sobre o funcionamento do equipamento.

Essa estratégia de testes exige um certo planejamento. É preciso, por exemplo, que se saiba quais as saídas esperadas para as entradas fornecidas. É conveniente que se forneçam as entradas mais comumente utilizadas, e que ofereçam maior probabilidade de se detectar um erro. E é necessário que haja recursos para a geração das entradas e a observação das saídas.

Outro fator importante no planejamento de um teste, ainda mais no caso dos equipamentos agrícolas, é o ambiente onde o teste se realiza. Esse ambiente deve oferecer as condições para a execução do teste (ferramentas, livros, catálogos), possibilitando o controle das entradas e a observação das saídas, e reduzindo fatores externos prejudiciais (como ruídos, condições atmosféricas desfavoráveis), etc. Não por acaso, o termo "laboratório", usado para designar o ambiente de testes, carrega implícitos todos esses conceitos.

A execução de testes em laboratório, empregando a técnica do fornecimento de entradas e análise das saídas, é adequada ao desenvolvimento de equipamentos que utilizam um receptor GPS. Há, porém, uma restrição séria: para gerar as informações usuais, o receptor GPS precisa estar em movimento, que, no presente caso, fica limitado às dimensões do laboratório. Mais ainda: se o laboratório for fechado e coberto, o receptor GPS não funciona, pois não é capaz de captar os sinais emitidos pela constelação de satélites. Fica claro, portanto, que a utilização de um receptor GPS para testes no interior de um laboratório não é possível.

 

4. REQUISITOS DO SIMULADOR

Para resolver o problema dos testes em laboratório de equipamentos agrícolas que utilizam um receptor GPS, concebeu-se uma ferramenta de testes, uma espécie de simulador, que substitui o receptor GPS em movimento. Os cinco requisitos impostos à ferramenta deixaram evidente que sua implementação poderia se constituir num programa de computador.

O primeiro requisito refere-se ao controle da movimentação: o simulador deve oferecer, ao seu operador, condições para que ele, virtualmente, "pilote" um veículo imaginário. Para isso, o operador se utiliza das teclas com setas do teclado do computador, que alteram a velocidade do veículo.

Através de um mapa apresentado na tela, mostrando o veículo e sua trajetória, o simulador atende ao seu segundo requisito: a visualização da movimentação.

A fim de reproduzir mais fielmente o comportamento de um receptor GPS, o simulador introduz erros aleatórios nas posições fornecidas.

O quarto requisito obriga o simulador a apresentar uma interface semelhante à dos receptores GPS do mercado. Para tanto, o programa se utiliza do canal serial do computador, pelo qual envia mensagens segundo o protocolo "NMEA-0183" (Longley, 1995).

Finalmente, através da configuração de parâmetros, o simulador é uma ferramenta flexível e abrangente, seu quinto requisito.

 

5. USO EM AGRICULTURA DE PRECISÃO

A ferramenta para testes de equipamentos aqui apresentada foi implementada em duas versões. A primeira delas foi codificada na linguagem "C++", para ser executada no ambiente do sistema DOS, e foi utilizada nos testes do computador de bordo de uma máquina utilizada em Agricultura de Precisão. A segunda versão incorpora alguns recursos não existentes na primeira, e apresenta interface com o operador mais sofisticada, compatível com o ambiente "Windows", tendo sido codificada na linguagem "Visual Basic".

1- O projeto "MAPS"

A utilização da primeira versão pôde comprovar a sua utilidade. O equipamento em teste, um computador de bordo de máquina agrícola, é parte de um projeto de Agricultura de Precisão, denominado "MAPS" (de "Management of Agricultural Production Spatially", ou "Gerenciamento Especial de Produção Agrícola"), que vem sendo desenvolvido pelo Departamento de Engenharia Agrícola da Texas A & M University, EUA (Motz, 1993).

Basicamente, o computador de bordo do sistema MAPS compõe-se de uma unidade central de processamento, unidades de memória (acionadores de disco, cartões, RAM), dispositivos de interface com o operador (teclado, vídeo) e dispositivos de interface com outros equipamentos (portas seriais e paralelas, conversor análogo/digital). Uma das portas seriais é utilizada para a comunicação com um receptor GPS.

Foram testadas três funções no computador de bordo, com o simulador: monitoração da colheita de algodão, obtenção das coordenadas dos vértices de um terreno e monitoração da coleta de amostras de solo. Nos testes, o programa foi instalado num microcomputador da linha IBM­PC, conectado, via cabo, ao computador de bordo, no lugar do receptor GPS.

2- O monitor de semeadora

A segunda versão do simulador vem sendo utilizada nos testes de outro equipamento de uso em Agricultura de Precisão: um monitor de semeadora.

Concebido pelo Laboratório de Automação Agrícola (LAA) do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais (PCS) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP), sua função original é a sinalização de falhas detectadas durante a operação de semeadura.

A esse monitor, foi incorporado um receptor GPS, que lhe fornece informações sobre a posição da máquina semeadora. Juntando os dados coletados sobre a semeadura às posições obtidas pelo receptor GPS, é possível se elaborar um mapa da semeadura executada.

 

6. CONCLUSÕES

Graças ao uso do simulador, pôde-se detectar e corrigir erros no computador de bordo, ainda na fase de testes de laboratório. Dessa forma, evitou-se que esses erros fossem se manifestar somente quando fossem executados os testes de campo.

É importante que esse fato seja destacado. A logística para a execução de testes de campo pode ser bem complicada. No caso do monitor de colheita de algodão, por exemplo, eles exigiam grandes deslocamentos (500km) de uma equipe de técnicos (4 engenheiros) e de material (uma colhedora, duas caminhonetes, um reboque e diversas ferramentas) por um prolongado período (duas semanas). E, mesmo assim, para se realizarem os testes, era preciso que houvesse condições meteorológicas satisfatórias, bom funcionamento de todo o material e plantação disponível e adequada para a colheita, o que nem sempre ocorreu.

Além de ser uma ferramenta valiosa na detecção, correção e prevenção de erros de projeto, o simulador pode, também, ser bastante útil na especificação do modelo do receptor GPS a ser utilizado no projeto, devido às facilidades de configuração que ele oferece. Seu uso pode, ainda, antecipar o início dos testes, que podem ser realizados antes mesmo da aquisição do receptor. E, mesmo após a incorporação do receptor, o simulador pode voltar a ser utilizado, agora para ajudar na detecção de incorreções na documentação fornecida pelos fabricantes, que a experiência tem mostrado serem bastante freqüentes.

Embora ainda existam alguns aspectos para ser aprimorado, espera-se que, pelo seu bom desempenho nos testes de equipamentos já realizados, o simulador possa ser de grande utilidade para o desenvolvimento de outros equipamentos em Agricultura de Precisão.

 

7. REFERÊNCIAS

  • Blitzkow, D. (1995) NAVSTAR/GPS - Um desafio tornado realidade. Anais do III Simpósio Brasileiro de Geoprocessamento, EPUSP, São Paulo, SP, p.429-462.
  • Krüger, G.; Springer, R.; Lechner, W., (1994) Global Navigation Satellite Systems (GNSS). Computers and Electronics in Agriculture, EUA, 11, p.3-21.
  • Langley, R.R. (1995) NMEA 0183: a GPS receiver interface standard. GPS World, Eugene, EUA, 6 (7), p.54­57.
  • Logsdon, T., (1992) The NAVSTAR Global Positioning System. Van Nostrand Reinhold, New York, EUA.
  • Motz, D.S.; Searcy, S.W.; Neuhaus, P.E., (1993) PC-MAPS - A tool for site specific crop management. 1993 ASAE International Winter Meeting, artigo n.93-3.556, ASAE, St. Joseph, EUA.
  • Paz, S.M.; Cugnasca, C.E.; Saraiva, A.M., (1996) O Sistema de Posicionamento Global (GPS) e suas aplicações. Palestra do 7o Congresso Nacional de Automação Industrial, São Paulo, SP.
  • Searcy, S.W., (1995) Engineering systems for site-specific management: opportunities and limitations. Site-Specific Management for Agricultural Systems, ASA-CSSA-SSSA, Madison, EUA, p.603-612.
  • Stafford, J.V., Ambler, B., (1994) In-field location using GPS for spatially variable field operations. Computers and Electronics in Agriculture, EUA, 11, p.23-36.

 

8. BIOGRAFIAS

Sérgio Miranda Paz

Engenheiro eletrônico pela EPUSP - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1981), Bacharel em Ciência da Computação pelo IME - Instituto de Matemática e Estatística da USP (1983), Mestre em Engenharia pela EPUSP (1997), e Doutorando em Engenharia pela EPUSP. Foi pesquisador visitante do Agricultural Engineering Department da Texas A & M University, EUA (1995­1996). Atual pesquisador do LAA - Laboratório de Automação Agrícola da EPUSP (desde 1989), e da FDTE - Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (desde 1982), e Professor do Departamento de Tecnologia em Processamento de Dados da FAPA - Faculdade Paulistana de Ciências e Letras (1997).

Carlos Eduardo Cugnasca

Engenheiro eletrônico pela EPUSP - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1980), Mestre em Engenharia pela EPUSP (1988), e Doutor em Engenharia pela EPUSP (1993). Atual Professor do PCS - Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da EPUSP (desde 1988), coordenador do LAA - Laboratório de Automação Agrícola da EPUSP (desde 1989), coordenador dos Cursos de Extensão do PCS-USP, pesquisador da FDTE - Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (desde 1982), e gerente de projetos nas áreas de automação industrial, comercial e agrícola.

Antonio Mauro Saraiva

Engenheiro eletrônico pela EPUSP - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1980), Engenheiro Agrônomo pela ESALQ - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da USP (1987), Mestre em Engenharia pela EPUSP (1993), e Doutorando em Engenharia pela EPUSP. Atual Professor do PCS - Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da EPUSP (desde 1989), idealizador e coordenador do LAA - Laboratório de Automação Agrícola da EPUSP (desde 1989) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Automação Agrícola da USP e da FDTE - Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (desde 1989).