AGROSOFT 95
Feira e Congresso de Informática Aplicada à Agropecuária e Agroindústria

Oportunidades para o Uso de Modernas Tecnologias de Informação na Coordenação Vertical de Cadeias de Produção Agropecuária

Contato
Luiz Carlos Miranda
UIUC
305 Mumford Hall - 1301 West Gregory Drive
61801 - Urbana - IL
e-mail:
lcmirand@uiuc.edu

Autoria
Luiz Carlos Miranda - UIUC

RESUMO
Este trabalho discute, suscintamente, o uso estratégico de sistemas de informação interorganizacional no setor agrícola. Estes sistemas resultam da aplicação de modernas tecnologias de informação na coordenação vertical de cadeias de produção agropecuária. Eles podem alterar o posicionamento estratégico das empresas envolvidas, aumentando a produtividade, flexibilidade e competitividade das mesmas. Isto ocorre pela troca mais intensa de informações entre a empresa e os demais participantes da cadeia de produção (fornecedores de insumos e distribuidores, principalmente).

Tais sistemas ja são uma realidade nos Estados Unidos e na Europa. Este trabalho tem como objetivo alertar os tomadores de decisão do agribusiness brasileiro para as tendências de desenvolvimento tecnológico adotado pelos competidores externos.

O trabalho identifica potenciais usos de hardware e demandas de software destinados a aumentar a comunicação entre empresas, tais como networking, bancos de dados compartilhados, EDI (electronic data interchange), e aplicações internet. Os produtores de software podem ter um papel relevante na implementação de tais sistemas.

Conclui-se que, em agribusiness, a transmissão de informação entre empresas tem um papel estratégico tão relevante quanto a busca interna de eficiência. Toda eficiência obtida internamente pode ser comprometida se as empresas envolvidas em uma cadeia produtiva nao atuarem coordenadamente.

ABSTRACT
This study gives a flavor of the discussion related to the strategic use of interorganizational information systems in the agribusiness sector. These systems arise from the application of information technology to the vertical coordination of agricultural supply chain. They can give a corporation an edge over its competitors, by increasing its productivity, flexibility and competitiveness. This is done through increased information sharing among the participants of the supply chain.

Such systems are already in place in U.S.A. and Europe. This study aims to aware the managers of Brazilian agribusiness about the trends of technological developments adopted by global competitors.

The study identify potential uses of hardware and demand for software development that improve the interorganizational communication, such as networking, shared data base, EDI (electronic data interchange), and internet applications. Software developers may have an important role in the implementation of such systems.

The conclusion is that the role of interorganizational information sharing in agribusiness is at least as important as the search for internal efficiency. The latter may be compromised if the companies in a supply chain do not coordinate effectively their activities.

I. Introdução

Um crescente número de autores vem se dedicando ao estudo do impacto dos chamados sistemas interorganizacionais de informação (SII)1 na estratégia das empresas (Neumann, 1994; Wiseman, 1988; Allen e Scott Morton, 1994; Bradley, Hausman e Nolan, 1993). Tais sistemas fazem uso intensivo de modernas tecnologias de informação (computadores, softwares e telecomunicações) para adicionar valor aos produtos. Isto se dá pelo aumento da comunicação e troca de informações entre empresas.

Os setores cujos produtos ou serviços têm um forte componente informacional foram os primeiros a adotar tais sistemas (sistemas de reservas em companhias aéreas, sistema financeiro, seguros e serviços de informacão). A literatura, todavia, é rica em casos de bem sucedidos sistemas implantados por empresas dos mais variados setores2. Nos Estados Unidos, por exemplo, há sistemas implantados nos setores de suprimento hospitalar, automotivo, computação, atacadistas, supermercados, para mencionar apenas alguns.

A adoção de SII no setor de agribusiness é relativamente recente. Alguns estudos de caso descrevem bem sucedidas experiências da aplicação de modernas tecnologias de informação na coordenação vertical de cadeias de produção agropecuária. Tais cadeias compreendem as atividades necessárias para se obter o produto disponível ao consumidor final: produção de insumos para a agropecuaria, produção agropecuaria propriamente dita, processamento de produtos agrícolas, distribuição (transporte, atacado e varejo), e consumo. A grande interdependência entre estas atividades fazem o setor de agribusiness altamente dependente de coordenação vertical.

II. SII, Coordenação Vertical e Competitividade

Historicamente, as atividades do setor agribusiness têm sido coordenadas basicamente de duas maneiras: via mercado ou via hierarquias. Quando firmas independentes usam preço como o único sinal transmitido para coordenarem suas atividades, diz-se que a coordenação está se dando via mercado (spot market). Quando as atividades são coordenadas centralmente (numa única firma), através de mecanismos gerenciais que substituem o uso do preço, diz-se que a coordenação está se dando de forma hierárquica (integração vertical por aquisição). Uma variedade de sistemas de coordenação situa-se entre estes dois extremos: produção por contrato, joint-ventures, franchising, licenciamento de produção, alianças stratégicas, acordos informais de produção conjunta, etc.

Sistemas interorganizacionais de informação afetam a escolha do sistema de coordenação e podem criar oportunidades estratégicas para as empresas. Primeiramente, o uso de tecnologias da informação alteram o balanço entre custos de coordenação interna e custos de coordenação externa. Pesquisas têm mostrado que as tecnologias de informação favorecem a coordenação via mercado, induzindo as empresas a terceirizarem parte de suas atividades (Malone et al., 1989; Konsynski e McFarlan, 1990). Essa tendência permite que cada empresa explore ao máximo seu núcleo de competências. Como resultado, mais valor é adicionado ao produto final produzido pela cadeia.

Quanto à oportunidade de explorar novas estratégias para aumentar a competitividade, a adocão dos SII resultam em melhor e mais rápida comunicação com fornecedores e distribuidores, redução de erros na transmissão de dados, menores custos para identificação de parceiros, redução de custos de processamento de pedidos, faturas, cobrança, redução de inventários através de implantação de sistemas just-in-time, maior controle da qualidade do produto e dos serviços prestados por terceiros, monitoramento mais adequado do cumprimento de cláusulas contratuais, e aumento do conteúdo informacional do produto.

Essas melhorias podem ser exploradas estratégicamente pelas empresas para tornar seus produtos mais competitivos, diferenciando-os ou reduzindo seu custo frente aos dos competidores. Ou então os SII podem ser usados para criar barreiras de entrada, criar switching costs nos distribuidores, ou mesmo mudar as bases de competição do setor. A título de exemplo, imagine-se a vantagem competitiva que um produtor de embutidos teria se pudesse assegurar aos consumidores que ele tem um sistema de informações que controla desde o uso de insumos na criação dos animais (mínimo uso de antibióticos, por exemplo) até o tempo máximo de exposição na prateleira do supermercado, para garantir produtos frescos e de qualidade.

Tecnologias da informacão podem ser usadas para revelar adicionais atributos do produto, tais como quantidades de gordura e colesterol no produto, prazo de validade, época adequada para trocar produtos expostos em supermercados, quais aditivos estão presentes, etc. Na direção oposta, as preferências do consumidor podem ser mais rapidamente detectadas. Tais informações são coletadas nos caixas dos supermercados através de scanners. Os varejistas (supermercados) podem, então, repassar essas informações para os atacadistas, processadores e até mesmo para o fazendeiro, ajudando-os a introduzirem melhorias e planejarem mais adequadamente as quantidades a serem entregues. Para uma discussão mais profunda dos efeitos do uso de tecnologias de informação na coordenação e competitividade do setor agribusiness, recomenda-se o trabalho de Streeter, Sonka, e Hudson (1991).

III. Tipos de SII

Os SII podem ser classificados de muitas maneiras. Uma dessas classificações, os distingue em mercados eletrônicos e hierarquias eletrônicas. Mercados eletrônicos são sistemas criados para facilitar o encontro de muitos vendedores e muitos compradores. Mercados eletrônicos têm mais probabilidade de surgirem em mercados cujos produtos sejam mais padronizados, simples de descrever. Normalmente são operados por uma terceira entidade, que extrai lucro por adicionar valor a ambos os lados, compradores e vendedores. EUROSELECT e TELCOT, examinados na próxima seção, são dois exemplos.

Hierarquias eletrônicas são SII criados por uma empresa para conectá-la com seus fornecedores ou distribuidores. Hierarquias eletrônicas têm mais probabilidade de surgirem em empresas cujos produtos sejam mais complexos, exigindo mais informações para serem transacionados. Os sistemas implantados nas empresas Frito Lay e Pioneer são exemplos deste caso.

Outra classificação de interesse é a que distingue os SII pelo tipo e número de participantes. Os SII podem ser formados por: (a) um fornecedor e um comprador; (b) um fornecedor e vários compradores; (c) vários fornecedores e um comprador; (d) vários fornecedores e vários compradores. Todos esses tipos podem ainda ter um terceiro participante, um intermediário.

IV. Estudos de Casos em Agribusiness

Frito Lay. A equipe de vendas dessa companhia, que vende batata frita e corn chips, usa computadores portáteis e sistemas de transferência eletrônica de dados para coletar detalhada informação de vendas. Tais informações são repassadas à noite para o computador central de companhia. Informações sobre novos produtos, preços e promoções de venda são repassadas semanalmente à equipe de vendas (Streeter, Sonka, e Hudson, 1991; Estudo de Caso número 9-193-040, Harvard Business School, 1993)

Pioneer. Esta empresa produz sementes selecionadas e dentre os seus produtos alguns, muito específicos, exigem que o fornecedor (fazendeiro) adote técnicas de produção e insumos especiais. A empresa usa modernas tecnologias em seu sistema de informações, para que possa monitorar os produtores e o produto que eles entregam (Streeter, Sonka, e Hudson, 1991).

Label Rouge (Produção de Aves, França). O mercado de aves na França é caracterizado por uma maior diversidade (galinhas, patos, gansos, guinéas, e codornas) e por uma maior diversidade nos atributos relacionados a qualidade. Label Rouge é uma marca que foi introduzida para identificar um mercados de produtos diferenciados, destinados a um consumidor mais exigente. Os produtos Label Rouge são derivados de aves criadas sob rigorosos padrões e controles e, por isso, alcançam preços até 100% acima dos produtos mais comuns. O sistema é altamente dependente de sistemas de informação que criem condições de assegurar a qualidade do produto (Randall Westgren, 1994).

Setor de Produtos de Consumo. O setor de produtos de consumo (alimentos enlatados, produtos de banho e de limpeza) foi investigado por Clemons e Row (1993). Eles investigaram o impacto do uso de tecnologias da informação na interação entre produção e varejo. A pesquisa incluiu empresas do porte da Procter and Gamble, Wal-Mart e K-Mart. A conclusão a que chegaram é que os obstáculos para a implantação de tais sistemas não são relacionados com a tecnologia, mas sim com as alterações no poder de barganha entre os envolvidos. Segundo os autores, os beneficios resultantes da maior coordenação das atividades, através da redução de estoques e do fluxo de produção mais estável, são dramáticos. Todavia, os participantes resistem à implantação de tais sistemas, por temerem que o seu poder de barganha se altere negativamente. É necessário que se compreenda quais os mecanismos que podem criar condições favoráveis para o florescimento dos SII.

Setor de Produtos Comestíveis. A associaçãos americana dos produtores (Grocery Manufacturers of America) e a associação americana dos distribuidores de produtos comestíveis (National-American Wholesale Grocers'Association) estão envolvidas num esforço para a implantação de SII. O nome escolhido para o sistema é diferente (ECR - Eficient Consumer Response), mas a idéia é a mesma. O objetivo é implementar uma logistica de reabastecimento dos supermercados que torne a cadeia de abastecimento mais eficiente e com menor custo. Tal se dará pela redução dos estoques da cadeia como um todo e pela obtenção de níveis de produção mais estáveis. O projeto prevê: (a) criação de sistemas para transferencia das informações obtidas nos scanners, instalados nos caixas dos supermercados, para os demais participantes (distribuidores e produtores); (b) uniformização dos sistemas de codificação de produtos (código de barra); (c) identificação de sistemas eletrônicos e de comunicação que permitam conectar as atividades dos varejistas à dos atacadistas e produtores; (d) facilitar a implantação de EDI (electronic data interchange) entre os participantes; e (e) estimular a adoção de sistemas de custos que permitam alocar os beneficios de maneira mais justa. A importância dessa iniciativa para o setor agropecuário é significativa. A redução do ciclo de estocagem, por exemplo, aumenta o período de exposição do produto nas prateleiras, além de influenciar positivamente a qualidade dos mesmos. Isto é mais importante ainda para os produtos perescíveis (Kurt Salmon Associates, 1993).

EUROSELECT (Van Eerd Holding Ltd., Holanda). Trata-se de uma network de escritórios nacionais distribuidos pela Europa com um sistema baseado em EDI para divulgar catálogo de produtos e preços e para processar ordens de compra. O sistema atende pequenos e médios atacadistas na identificação de fornecedores de produtos alimentícios (naturais e processados) com preços competitivos (Klein e Kronen, 1993).

TELCOT (Mercado Eletrônico de Algodão, Oklahoma e Texas, U.S.A.). O sistema atende uma associação cooperativa com doze mil produtores de algodão. Os produtores usam o mesmo para comercializar de forma mais vantajosa o algodão que produzem. (Malone, Yates, and Benjamin, 1989).

Bibliografia

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Bradley, S. P., J. A. Hausman, e R. L Nolan (eds.). Globalization Technology and Competition: The Fusion of Computers and Telecommunications in the 1990s. Boston, MA: Harvard Business School Press. 1993.
Clemons, E. K. e M. C. Row. "Limits to Interfirm Coordination Through Information Technology: Results of a Field Study in Consumer Packaged Goods Distribution." Journal of Management Information Systems. 10,1,(Summer 1993):73-96.
_____, e B.W. Weber. "Strategic Information Technology Investments: Guidelines for Decision Making."Journal of Management Information Systems. 7,2,(Fall 1990):9-28.
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Johnston, H. R., e M. R. Vitale. "Creating Competitive Advantage with Interorganizational Information Systems." MIS Quarterly. June (1988):153- 165.
Klein, S. e J. H. Kronen. "EUROSELECT: The Strategic Rationale of an EDI Network and Its Cooperative Arrangements in the Grocery Wholesale Industry." Proceedings of the Twenty-Sixth Annual Hawaii International Conference on System Sciences. Vol.V.1993.
Konsynski, B. R. e F. W. McFarlan. "Information Partnerships - Shared Data, Shared Scale." Harvard Business Review. September-October (1990):114-20.
Kurt Salmon Associates, Inc. Managment Consultants. Efficient Consumer Response. Washington: The Research Department Food Marketing Institute. January (1993).
Malone, T.W., J. Yates, e R. I. Benjamin. "The Logic of Electronic Markets."Harvard Business Review. May-June (1989):166-70.
Miranda, L.C. "Interorganizational Information Sharing and Information Technology in the Food and Agribusiness Sector." Unpublished Working Paper (Inter-Firm Relationships Seminar). Food and Agribusiness Management Program. University of Illinois at Urbana-Champaign. April (1995).
Neumann, S. Strategic Information Systems: Competition Through Information Technologies. New York, NY: Macmillan College Publising Company. 1994.
Streeter, D. H., S. T. Sonka, e M. A. Hudson. "Information Technology, Coordination, and Competitiveness in the Food and Agribusiness Sector."American Journal of Agricultural Economics. 73, December (1991):1465-71.
Westgren, R. E. "Case Studies of Market Coordination in the Poultry Industries." Canadian Journal of Agricultural Economics. 42: 565-575
Wiseman, C. Strategic Information Systems. Homewood, IL: Richard D. Irwin, Inc. 1988.

 

1 - A literatura americana refere-se a estes sistemas pela sigla IOS, interorganizational systems ou interorganizational information systems.

2 - Dada a restricao de espaco, tais sistemas nao serao mencionados. Miranda (1995) procedeu a uma analise dos sistemas que tiveram seus estudos divulgados na literatura americana.